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102.O meu país-v3-cap.-09-m102

Tô vendo tudo, tô vendo tudo

Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

Um país que crianças elimina

Que não ouve o clamor dos esquecidos

Onde nunca os humildes são ouvidos

E uma elite sem Deus é quem domina

Que permite um estupro em cada esquina

E a certeza da dúvida infeliz

Onde quem tem razão baixa a cerviz

E massacram-se o negro e a mulher

Pode ser o país de quem quiser

Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo ...

Um país onde as leis são descartáveis

Por ausência de códigos corretos

Com quarenta milhões de analfabetos

E maior multidão de miseráveis

Um país onde os homens confiáveis

Não têm voz, não têm vez, nem diretriz

Mas corruptos têm voz e vez e bis

E o respaldo de estímulo incomum

Pode ser o país de qualquer um

Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo ...

Um país que perdeu a identidade

Sepultou o idioma português

E aprendeu a falar pornofonês

Aderindo à total vulgaridade

Um país que não tem capacidade

De saber o que pensa e o que diz

Que não pode esconder a cicatriz

De um povo de bem que vive mal

Pode ser o país do carnaval

Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo ...

Um país que seus índios discrimina

E as ciências e as artes não respeita

Um país que ainda morre de maleita

Por atraso geral da medicina

Um país onde escola não ensina

E hospital não dispõe de raio x

Onde a gente dos morros é feliz

Se tem água de chuva e luz do sol

Pode ser o país do futebol

Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo ...

Um país que dizima sua flora

Ensejando o avanço do deserto

Pois não salva o riacho descoberto

Que no leito precário se estertora

Um país que cantou e hoje chora

Pelo bico do último contriz

Que florestas destrói pela raiz

E a grileiros de fora entrega o chão

Pode ser que ainda seja uma nação

Mas não é com certeza o meu país



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