top of page
Post

109.Vai passar-v2-cap-08-m109

Vai passar Nessa avenida um samba popular Cada paralelepípedo Da velha cidade Essa noite vai Se arrepiar Ao lembrar Que aqui passaram sambas imortais Que aqui sangraram pelos nossos pés Que aqui sambaram nossos ancestrais Num tempo Página infeliz da nossa história Passagem desbotada na memória Das nossas novas gerações Dormia A nossa pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas transações Seus filhos Erravam cegos pelo continente Levavam pedras feito penitentes Erguendo estranhas catedrais E um dia, afinal Tinham direito a uma alegria fugaz Uma ofegante epidemia Que se chamava carnaval O carnaval, o carnaval (Vai passar) Palmas pra ala dos barões famintos O bloco dos napoleões retintos E os pigmeus do bulevar Meu Deus, vem olhar Vem ver de perto uma cidade a cantar A evolução da liberdade Até o dia clarear Ai, que vida boa, olerê Ai, que vida boa, olará O estandarte do sanatório geral vai passar Ai, que vida boa, olerê Ai, que vida boa, olará O estandarte do sanatório geral Vai passar

110. “Hino da repressão (2o turno)” (1985).

Autor: Chico Buarque. Intérprete: Idem. Gravadora: Barclay/Ariola. LP: Malandro.

Hino da repressão é uma canção em dois turnos, com letras diferentes escritas em momentos distintos e refletindo ambientes diversos. No primeiro turno, ela denunciou o poder absoluto dos órgãos de segurança nas ditaduras. Registrou a arrogância e a prepotência de seus agentes, que proclamavam: “A lei tem ouvidos para te delatar/ Nas pedras do teu próprio lar”. A polícia tudo podia descobrir, tudo podia extrair, tudo podia fazer. Até matar os presos sob sua guarda: se “mesmo nas galeras és nocivo/ És um estorvo, és um tumor/ A lei fecha o livro, te pregam na cruz/ Depois chamam os urubus” (1). A canção fez parte da trilha sonora da peça Ópera do Malandro, encenada em 1979 pelo diretor Luís Antônio Martinez Correa. Também ficou conhecida como Hino de Duran (ver no anexo Outras Canções)

Hino da Repressão (2o turno) é de 1985. A nova letra foi escrita para o filme Ópera do Malandro, de Ruy Guerra. Nela não eram mais os agentes dos órgãos de segurança que falavam grosso. Era a sociedade quem levantava a voz para advertir aos torturadores de que seu poder estava prestes a terminar: “A lei tem caprichos/ O que hoje é banal/ Um dia vai dar no jornal”. Os criminosos abrigados no aparelho do estado que pusessem suas barbas de molho. Teriam de responder pelos crimes cometidos: “A lei abre os olhos/ A lei tem pudor/ E espeta o seu próprio inspetor/ (...) És preso comum/ Na cela faltava esse um”.

O espetáculo musical Ópera do malandro, escrito por Chico Buarque, se baseou na Ópera dos mendigos (1728), de John Gay, e na Ópera dos três vinténs (1928), de Bertolt Brecht e Kurt Weill. A trama se desenvolvia na Lapa, no Rio de Janeiro, na década de 1940, em torno de uma disputa entre o dono de bordéis Fernandes de Duran e o contrabandista Max Overseas. Ao descrever o clima de perseguição, delação, repressão, corrupção e maus-tratos existente durante o Estado Novo, Chico Buarque, por tabela, denunciava também o terrorismo de Estado da ditadura militar.

Se atiras mendigos No imundo xadrez Com teus inimigos E amigos talvez A lei tem motivos Pra te confinar Nas grades do teu próprio lar

Se no teu distrito Tem farta sessão De afogamento, chicote Garrote e punção A lei tem caprichos O que hoje é banal Um dia vai dar no jornal

Se manchas as praças Com teus esquadrões Sangrando ativistas Cambistas, turistas, peões A lei abre os olhos A lei tem pudor E espeta o seu próprio inspetor

E se definitivamente a sociedade só te tem desprezo e horror E mesmo nas galeras és nocivo, és um estorvo, és um tumor Que Deus te proteja És preso comum Na cela faltava esse um

----------

(1) A íntegra da letra da primeira versão de Hino da Repressão é a seguinte: “Se tu falas muitas palavras sutis/ E gostas de senhas, sussurros, ardis/ A lei tem ouvidos pra te delatar/ Nas pedras do teu próprio lar/ Se trazes no bolso a contravenção/ Muambas, baganas e nem um tostão/ A lei te vigia, bandido infeliz/ Com seus olhos de raio x/ Se vives nas sombras, frequentas porões/ Se tramas assaltos ou revoluções/ A lei te procura amanhã de manhã/ Com seu faro de dobermann/ E se definitivamente a sociedade só te tem/ Desprezo e horror/ E mesmo nas galeras és nocivo/ És um estorvo, és um tumor/ A lei fecha o livro, te pregam na cruz/ Depois chamam os urubus/ Se pensas que burlas as normas penais/ Insuflas, agitas e gritas demais/ A lei logo vai te abraçar, infrator / Com seus braços de estivador / Se pensas que pensas/ Estás redondamente enganado/ E como já disse o doutor Eiras/ Vem chegando aí junto com o delegado pra te levar”.






bottom of page