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19.Eldorado dos Carajás-v3-cap-10-m19

1996

Quarta-feira, dezessete de abril Eldorado dos Carajás, Sul do Pará, Brasil Lá onde só Deus sabe o que acontece PA 150, Curva do S Por mais de um dia 1200 sem terra Bloqueiam a rodovia, reivindicam à sua maneira A desapropriação da fazenda Macaxeira 40 mil hectares de um só dono De uma terra entregue ao abandono Grande propriedade, latifúndio improdutivo Que só serve ao interesse especulativo E o fazendeiro que não faz concessão Não está disposto a abrir mão A 800 famílias que só sonham com um pedaço de chão

E tentam a todo custo se manter de cabeça erguida Mesmo famintos e lutando por comida Gente simples, pobre sem muito recurso Cansados de esperar reforma agrária sair do discurso Tudo que eles querem é a terra pra poder fazer uso O Incra não dá crédito, não assenta, não cumpre prazo O governo age com total descaso Insensibilidade diante do drama Em um profundo desprezo pela vida humana Planejam o que ninguém imagina Enquanto a hora da matança se aproxima

Sem justiça não existe paz Não existe paz Eldorado dos Carajás Sem justiça não existe paz Não existe paz Eldorado dos Carajás

De Parauapebas, de Marabá Vieram dois destacamentos da Polícia Militar Coronel Mário Pantoja,

Com a sua corja, Duzentos homens armados de forma ameaçadora Com revólver, escopeta, fuzil, metralhadora Chegaram na surdina, com sutileza Prontos pra partir pra cima de gente indefesa Sedentos de sangue e ao que tudo indica Vão usar uma violência que não se justifica São ossos do ofício, matar faz parte do serviço A tensão aumenta, todo mundo se sente apreensivo Cada segundo conta, cada minuto é decisivo Mas dê no que der Os sem terra não vão arredar o pé Estão dispostos a resistir enquanto puder Enquanto o Sr. Almir Gabriel Só tá a fim de defender o latifúndio, o gado e o capim A sua ordem tem tom de ameaça Custe o que custar, de hoje não passa

Sem justiça não existe paz ...

E do ímpeto a polícia agiu do seu jeito Foi traiçoeira, sorrateira, covarde Às quatro e meia da tarde Tempo esgotado o cerco se fecha, Os pau-mandados não deixaram brecha Reagir, bem que os sem terra tentaram Mas aí, é claro, Este foi o pretexto usado Para o primeiro disparo Daí pra frente o que se viu Foram execuções a sangue frio Cenas de uma guerra civil A crueldade sem limite Com todo seu requinte, Porque contra força Não existe argumentos Ainda mais quando se trata De um esquadrão de fuzilamento

Foram quatorze minutos contados de fogo cerrado Chumbo grosso, osso, No meio daquele alvoroço se ouvia choro e grito Das pessoas que tentavam fugir do conflito Foi um corre-corre, um Deus-nos-acuda Pessoas desesperadas imploravam uma ajuda E o pior é que existe indícios Que tudo foi premeditado desde o início Todas as balas tinham endereço certo E os tiros, foram todos dados de muito perto Parecia coisa de grupo de extermínio seu menino Não importava quem estivesse no caminho

Homens, mulheres, crianças, dava tudo no mesmo Porque os homens atiravam impunemente a esmo À torta e à direita, sem dar a mínima, Sem escolher a vítima, Lourival não conseguiu correr Ficou parado, confuso, levou um tiro de fuzil no peito Caiu morto de bruços Robson foi arrastado pelo cabelo e não foi culpado. Mesmo depois de já ter sido dominado Oziel tinha sido jurado de morte pelos coronéis Foi algemado, espancado com socos e pontapés Depois recebeu três tiros fatais E teve o mesmo triste fim que os trabalhadores rurais Naquela batalha campal cujo resultado final Foram dezenove mortos e sessenta e um feridos no total Todos vítimas da ação policial que foi brutal, violenta e sanguinária Promoveu execuções sumárias, uma tragédia parecida Com a da Candelária, Carandiru, Vigário Geral, Corumbiara

E Eldorado dos Carajás é um caso a mais Que revela realmente do que ela é capaz Julgou a opinião pública nacional Causou repercussão internacional Mas depois de um certo tempo Caiu no esquecimento Deve ser por isso que ninguém fica surpreso Que até hoje nenhum dos acusados tenha sido preso

Sem justiça não existe paz ...





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